Resenha – Fios de Ferro e Sal narra a mitologia, resistência e o Brasil que (quase) esqueceram

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Fios de Ferro e Sal não é só um livro de fantasia histórica. É um mergulho profundo nas feridas abertas da nossa história, um convite para escutar as vozes que o tempo, o poder e o silêncio tentaram apagar. Escrito com lirismo e coragem, o livro resgata o Brasil do século XIX — mas não aquele que aparece nos livros didáticos, cheio de imperadores, corte e progresso. Aqui, a história é contada a partir das margens, das senzalas, das jangadas, dos terreiros e dos navios negreiros. É um Brasil de ferro, sal, suor e resistência.

A narrativa começa com Kayin, um homem negro cativo, acorrentado em um navio negreiro. Ele carrega em si o peso da dor, mas também a força de Ogum, o orixá da guerra e da tecnologia. Quando quebra suas correntes usando os dons aprendidos com o deus do ferro, não está apenas se libertando — está dando início a uma rebelião que desafia o sistema escravista com sangue, coragem e espiritualidade. É impossível não se arrepiar com esse começo. Kayin não é herói de capa, é herói de carne, cicatriz e alma.

Do outro lado da costa, nas areias do Aracati, no Ceará, vive Ekundayo, um griô — ou seja, um guardião da memória ancestral. Velho, sábio e ainda lutando por justiça, ele tenta conter o tráfico negreiro que continua devastando vidas naquela região. Um dia, ele recebe uma missão direta de Yemanjá: resgatar um grupo de pessoas à deriva no mar. Para isso, precisará reunir um grupo improvável: Tia Nanci, uma entidade em forma de aranha que se diz senhora de todas as histórias (e que transita entre o cômico, o assustador e o sábio com uma naturalidade impressionante); Afogado, um homem misterioso com um passado enterrado nas águas; e os jovens Iracema e Valentim, dois jangadeiros corajosos e sonhadores.

A viagem deles a bordo de uma jangada em mar aberto não é só física — é espiritual, política, mítica. Cada personagem carrega consigo não apenas um destino, mas uma ancestralidade. E o mar, tão presente e tão simbólico, deixa de ser apenas cenário e vira personagem também: ora mãe, ora inimigo, ora tumba, ora caminho para o renascimento.

O mais bonito do livro talvez seja como ele costura mitologia, fantasia e realidade de forma orgânica. Não se trata de “colocar orixás na história do Brasil”, mas de reconhecer que essas histórias já estavam aqui, antes mesmo de o Brasil ter nome. A fantasia aqui não foge da dor, ela a confronta — e, com isso, também cura.

Fios de Ferro e Sal é sobre resistência, sim, mas também sobre afeto, sobre escuta, sobre o poder das palavras e das memórias que resistem mesmo quando tudo parece querer apagá-las. Não é uma leitura leve — mas é necessária, urgente, transformadora. É um desses livros que deixam marcas. Que fazem a gente querer aprender mais, ouvir mais, contar mais. E que lembram que às vezes, contar uma história é um ato de salvação.

Se você procura uma fantasia verdadeiramente brasileira, cheia de alma, com personagens complexos e uma trama que pulsa com vida e ancestralidade, esse livro é pra você. E mesmo que não esteja procurando, talvez você precise dele. Porque algumas histórias precisam ser ouvidas. Porque algumas dores precisam virar mar.

Crítica – Leandro Hassum repete a fórmula, mas garante boas risadas em Uma Advogada Brilhante

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As comédias nacionais vêm enfrentando dificuldades para impressionar o público, muitas vezes por conta de piadas sem graça, tramas previsíveis ou temas já desgastados. Uma Advogada Brilhante foge um pouco desse padrão ao trazer uma narrativa dinâmica e um humor que, mesmo sem grandes inovações, mantém o espectador entretido do início ao fim.

A trama acompanha Mike (Leandro Hassum), cujo nome de batismo, Michelle, gera desconforto por soar feminino. Após sua esposa processá-lo para exigir a pensão alimentícia do filho, ele passa por uma reviravolta ainda maior: é demitido do trabalho, que decide priorizar a contratação de mulheres. Sem outra alternativa, Mike assume um disfarce feminino para continuar empregado, desencadeando uma série de situações cômicas e reflexões sobre identidade e desigualdade no ambiente corporativo.

O grande atrativo do filme está no carisma de Leandro Hassum, nome consolidado na comédia nacional. No entanto, sua performance não apresenta nada de inovador, apostando nos trejeitos e na energia já conhecidos de seus trabalhos anteriores. Isso pode ser um ponto positivo para os fãs do humorista, mas pode também dar a sensação de um produto reciclado para quem busca algo novo.

O roteiro, por outro lado, consegue tornar a experiência menos cansativa, estabelecendo a história rapidamente e sem enrolação. Em apenas 10 minutos, o filme já apresenta toda a premissa, evitando um desenvolvimento lento e garantindo um ritmo ágil. Ainda assim, alguns pontos da trama carecem de profundidade, deixando certas situações um pouco vazias e sem o impacto que poderiam ter.

Apesar de sua proposta principal ser o entretenimento, Uma Advogada Brilhante também toca em temas relevantes, como assédio no ambiente de trabalho e a questão da pensão alimentícia, oferecendo um olhar cômico sobre problemas reais enfrentados na sociedade.

No fim, a produção pode não se destacar no cenário das comédias nacionais, mas entrega exatamente o que promete: diversão leve e algumas boas risadas. Para quem aprecia o estilo de Leandro Hassum, é uma escolha certeira.

Crítica: Looney Tunes: O Filme é um retorno à essência da animação clássica, com humor afiado e alma nostálgica

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Em meio a uma enxurrada de animações genéricas e altamente digitalizadas, Looney Tunes: O Filme – O Dia em que a Terra Explodiu surge como um verdadeiro sopro de frescor. A produção acerta em cheio ao resgatar o espírito original da turma mais insana dos desenhos animados, apostando no traço clássico 2D, no humor físico e nas gags irresistíveis que tornaram os personagens eternos.

A dupla Gaguinho e Patolino continua sendo o coração cômico da história. A química entre os dois é atemporal: enquanto um é a calma desajeitada, o outro é o caos com penas — e juntos, garantem risadas do começo ao fim. É uma dinâmica que funciona há décadas e, felizmente, segue intacta aqui, com timing cômico preciso e piadas que agradam tanto os nostálgicos quanto uma nova geração de espectadores.

O enredo é simples, direto e deliciosamente divertido. Mesmo para quem nunca acompanhou os episódios clássicos, o filme se mostra acessível e envolvente. Há espaço até para um musical inesperado e hilário, que surge no meio da trama como uma grata surpresa — mostrando que, sim, Looney Tunes ainda sabe brincar com gêneros e linguagens sem perder a identidade.

Outro ponto positivo é a fidelidade ao estilo tradicional de animação. Nada de efeitos 3D exagerados ou misturas com live-action que tentam, muitas vezes sem sucesso, modernizar o que já era perfeito em sua simplicidade. A escolha por manter a estética clássica faz toda a diferença e mostra respeito ao legado da série, ao mesmo tempo em que entrega uma obra atual e vibrante.

O clímax traz um inesperado plot twist que, embora não reinvente a roda, adiciona um charme extra à narrativa. É o toque final que mostra como a produção se preocupa em entregar algo redondo e memorável.

Looney Tunes: O Dia em que a Terra Explodiu é, acima de tudo, uma celebração da boa animação. Com personagens carismáticos, humor na medida certa e uma boa dose de nostalgia, o filme conquista com leveza e personalidade. Vale — e muito — a pena assistir.

Crítica – Drop: Uma Ameaça Anônima entrega tensão máxima com roteiro afiado e direção certeira

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Drop – Uma Ameaça Anônima é aquele tipo de suspense que não pede licença: ele te agarra já nos primeiros minutos e só solta quando os créditos sobem. O longa, dirigido com precisão cirúrgica, transforma um encontro casual em uma espiral sufocante de paranoia e sobrevivência, provando que, às vezes, o verdadeiro terror pode estar sentado bem à sua frente.

A trama parte de uma premissa simples, mas incrivelmente eficaz: Violet, uma mãe solo, decide encontrar Henry após combinarem por um aplicativo. O que seria apenas um jantar despretensioso ganha tons sombrios quando ela começa a receber mensagens anônimas: sua casa foi invadida, seu filho está em perigo, e a única maneira de salvá-lo é matar o homem à sua frente. O tempo vira inimigo, e a tensão escala de forma angustiante.

O roteiro é enxuto, direto ao ponto, mas cuidadosamente estruturado — nada está ali por acaso. Cada detalhe revelado ao longo da narrativa encontra seu lugar na engrenagem, criando um quebra-cabeça que se fecha de forma impactante. A direção colabora com cortes secos e um ritmo pulsante, fazendo do silêncio e dos olhares tão ameaçadores quanto qualquer explosão ou perseguição.

O maior trunfo de Drop é a sua habilidade de transformar o ordinário em extraordinário. Sem depender de grandes efeitos ou reviravoltas mirabolantes, o filme aposta em atmosfera, performance e timing — e vence em todos os quesitos. A atuação da protagonista transmite desespero contido e força em igual medida, conduzindo o público pela angústia crescente com autenticidade.

Em um cenário em que muitos thrillers apostam em exageros ou soluções fáceis, Drop – Uma Ameaça Anônima se destaca por sua elegância brutal e tensão implacável. É, sem dúvida, um dos melhores suspenses de 2025 até agora — e um lembrete poderoso de que, com uma boa ideia e execução competente, ainda é possível surpreender e deixar o público sem fôlego.

Crítica – Um Filme Minecraft diverte e impressiona visualmente

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A adaptação cinematográfica inspirada no universo de Minecraft transporta o público para uma jornada repleta de aventuras e desafios. Com uma premissa simples, o longa acompanha um grupo de personagens desastrados que, ao atravessarem um portal misterioso, são lançados em uma dimensão desconhecida. Para retornarem para casa, precisam se adaptar ao novo ambiente e dominar o território, embarcando em missões que remetem diretamente à dinâmica do famoso jogo.

Fidelidade visual e imersão no universo do jogo

Um dos grandes trunfos da produção está em sua estética visual, que recria fielmente os elementos característicos de Minecraft. Os cenários pixelados, as texturas blocadas e a paleta de cores vibrante são trabalhados com um nível de detalhamento que certamente cativará os fãs. Além disso, a direção de arte consegue equilibrar a nostalgia do game com um toque cinematográfico moderno, criando uma ambientação imersiva que respeita a essência do material original.

Um roteiro objetivo, mas com oscilações no ritmo

A narrativa se inicia de maneira direta e eficaz, estabelecendo o enredo central já nos primeiros cinco minutos de projeção. Essa abordagem ágil facilita o engajamento do público e rapidamente insere os personagens na trama. No entanto, o ritmo do filme sofre variações: enquanto a primeira metade se mantém dinâmica e envolvente, a progressão para o ato final apresenta uma queda no ritmo, tornando-se um pouco mais arrastada. Felizmente, o desfecho retoma a intensidade, proporcionando uma conclusão empolgante e satisfatória.

Efeitos visuais e humor acessível para toda a família

Os efeitos visuais são um dos destaques da produção, impressionando pela qualidade e pelos detalhes inseridos na recriação dos elementos do jogo. A animação dos personagens e a integração entre os cenários digitais e a ação são feitas com capricho, tornando a experiência visualmente agradável.

O humor, por sua vez, é outro fator que contribui para a diversão do público. Com piadas leves e situações cômicas que dialogam tanto com crianças quanto com os admiradores do jogo, o filme mantém um tom descontraído e acessível para toda a família.

A adaptação de Minecraft para as telonas acerta ao investir na fidelidade visual e no tom aventuresco, entregando um filme divertido e visualmente impressionante. Apesar de alguns momentos de desaceleração na trama, a experiência como um todo se mantém envolvente, garantindo boas risadas e um desfecho satisfatório. Um prato cheio para fãs do jogo e uma opção de entretenimento agradável para toda a família.

Crítica | Brick é um thriller psicológico que prende pela tensão, mas tropeça na profundidade

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Imagine acordar e perceber que o mundo sumiu. Não há mais sinal de celular, nem internet, nem vizinhos batendo à porta. Apenas um muro preto de tijolos cercando seu prédio, isolando você de tudo que existia lá fora. Esse é o ponto de partida de Brick, novo longa alemão da Netflix, dirigido por Philip Koch, que mistura suspense, drama conjugal e ficção científica em um experimento claustrofóbico sobre o medo — do outro, do silêncio e de si mesmo.

A trama acompanha Olivia (Ruby O. Fee) e Tim (Matthias Schweighöfer), um casal que já vinha se afastando antes mesmo do confinamento começar. Eles estão no limite do desgaste emocional quando se veem obrigados a permanecer juntos — não por escolha, mas por sobrevivência. Um muro inexplicável ergue-se ao redor do prédio, transformando a rotina cinzenta em uma prisão silenciosa. Lá dentro, a comida começa a faltar, a esperança se dissolve e a relação entre os moradores se deteriora aos poucos, como os mantimentos na despensa.

O que poderia soar como mais um filme de suspense pós-pandêmico se revela, aos poucos, uma metáfora poderosa sobre isolamento e convivência, costurada com tensão crescente e dilemas profundamente humanos. Koch, também roteirista, opta por não oferecer explicações fáceis: não há inimigo visível, governo opressor ou experimento científico para racionalizar o absurdo. O mistério do muro, ao fim, é menos importante do que o que ele revela: o que sobra de nós quando o mundo nos some?

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A força do filme está justamente nesse retrato íntimo da vulnerabilidade. Olivia, analítica e resiliente, tenta manter o controle emocional em meio ao caos. Tim, impulsivo e inquieto, oscila entre o instinto de proteção e o desespero. A dinâmica entre os dois é viva, cheia de fraturas antigas e silêncios pesados, o que dá ao filme um toque de realismo emocional que muitas vezes falta em thrillers do gênero.

O elenco de apoio, embora com boa presença, é tratado mais como pano de fundo do que como força narrativa. Há vizinhos que surgem com potencial dramático — o paranoico, a enfermeira, o cético —, mas eles desaparecem antes que possamos conhecê-los de fato. É uma escolha que mantém o foco no casal protagonista, mas que limita a complexidade da comunidade enclausurada. Em um cenário onde a convivência poderia gerar grandes confrontos éticos e morais, o roteiro opta por resoluções mais contidas, quase apressadas.

Visualmente, o filme se destaca. A fotografia acinzentada e o uso de luz natural reforçam o tom opressivo da história, enquanto o próprio prédio — com seus corredores abafados, janelas fechadas e portas trancadas — se transforma em um personagem. A câmera se move com parcimônia, quase como se hesitasse junto aos personagens, criando uma atmosfera densa, sufocante.

Mas talvez o aspecto mais desconcertante de Brick seja o desconforto silencioso que ele provoca. O espectador, assim como os moradores do prédio, é privado de respostas. Por que o muro surgiu? Quem está por trás disso? Vamos sair algum dia? Essas perguntas ficam no ar, sem promessas de resolução. E, curiosamente, isso não soa como uma falha, mas como parte da proposta.

Porque, no fundo, o longa não é sobre o muro. É sobre o que ele revela quando não podemos mais fugir de quem somos. Ele nos obriga a encarar o outro — parceiro, vizinho, estranho — como espelho, e isso, por si só, já é mais aterrorizante do que qualquer invasão alienígena ou conspiração apocalíptica.

Em tempos em que o isolamento deixou de ser ficção, “Brick” ressoa com uma força incômoda e atual. É um filme sobre confinamento, mas também sobre os limites do amor, da empatia e da própria sanidade. Uma obra que, mesmo tropeçando em algumas escolhas narrativas, nos prende pela alma antes de prender pelos olhos.

Crítica – O Macaco é um terror psicológico de Stephen King que equilibra mistério e humor

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Inspirado no conto The Monkey, de Stephen King, O Macaco acompanha a história de dois irmãos gêmeos que encontram um misterioso brinquedo. Logo, eles descobrem que o objeto é uma arma maligna, responsável por uma série de mortes brutais envolvendo sua família. Anos depois, uma nova onda de assassinatos os força a se unir para destruir o macaco assassino de uma vez por todas.

O filme aposta no terror psicológico para cativar o público, trazendo uma atmosfera sombria e repleta de suspense. A direção utiliza enquadramentos e ângulos clássicos do gênero, sem grandes inovações, mas eficazes para criar tensão. O design do brinquedo é um dos pontos altos da produção—sua aparência macabra e o olhar sinistro garantem momentos de arrepio.

Apesar da proposta sombria, o longa também incorpora toques de humor, que funcionam bem dentro da narrativa. No entanto, algumas sequências decepcionam, especialmente nas cenas sangrentas, que acabam soando artificiais e, em alguns momentos, até cômicas. Esse tom exagerado pode comprometer parte da imersão e tornar o terror previsível.

O elenco conta com Theo James, que entrega uma atuação convincente ao interpretar os irmãos gêmeos, agregando camadas aos personagens e elevando a qualidade da produção. O roteiro é ágil e direto ao ponto, sem excessos, apresentando a premissa rapidamente e desenvolvendo a história de forma objetiva. Ainda assim, as reviravoltas não surpreendem tanto quanto poderiam.

Com estreia marcada para 6 de março nos cinemas brasileiros, O Macaco entrega um terror leve, mas envolvente, equilibrando suspense e humor em uma trama repleta de mistério. Mesmo sem reinventar o gênero, a produção cumpre seu papel de entreter e causar arrepios no público.

Resenha – O Coração de Uma Mulher de Maya Angelou

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No universo literário, algumas obras se destacam não apenas pela narrativa envolvente, mas pela capacidade de transpor as fronteiras da ficção e tocar a essência da experiência humana. É exatamente essa proeza que Maya Angelou alcança em seu mais recente trabalho, “O Coração de Uma Mulher”. Recebi com antecedência para resenhar o livro, que chega às prateleiras sob a chancela da Editora Astral Cultural, e promete ser um marco na literatura contemporânea.

A narrativa, habilmente entrelaçada com referências culturais e históricas de peso, mergulha na jornada de uma mulher em busca de sua identidade, navegando pelas complexidades da vida e pelas vicissitudes do amor e da liberdade. Maya Angelou nos conduz por uma viagem que se torna, de certa forma, a jornada de muitas mulheres, revelando os desafios sociais, as dores e os triunfos que moldam suas vidas.

Partindo da Califórnia em direção à efervescente cidade de Nova York, acompanhamos a protagonista em sua imersão na sociedade e no mundo dos artistas e escritores negros. É no seio desse ambiente pulsante que ela encontra não apenas camaradagem, mas também engajamento político, integrando-se à luta pelos direitos dos afro-americanos. Angelou, com sua prosa poética e visceral, retrata não apenas o panorama cultural da época, mas também as profundezas da alma feminina e os dilemas enfrentados por uma mãe negra nos Estados Unidos.

Um dos aspectos mais cativantes do livro é a maneira como Angelou tece sua narrativa em torno das relações humanas. O leitor é apresentado a uma galeria de personagens marcantes, desde figuras históricas como Billie Holiday e Malcolm X até indivíduos fictícios que ecoam a vida em suas mais diversas nuances. É nesse intricado tecido de relações que se desenrola a jornada da protagonista, pontuada por encontros e despedidas, amores e desilusões.

No entanto, não são apenas os personagens que conferem profundidade à trama. A própria escrita de Angelou, carregada de emoção e lirismo, é um convite à reflexão sobre temas como identidade, pertencimento e resistência. Em suas páginas, encontramos passagens que nos transportam para além do tempo e do espaço, fazendo-nos sentir como se estivéssemos imersos na própria pele da protagonista.

É verdade que, em alguns momentos, a narrativa pode parecer superficial, deixando questões importantes apenas esboçadas. No entanto, essa aparente lacuna é compensada pela riqueza de detalhes e pela intensidade das emoções que permeiam cada página. Maya Angelou nos brinda com uma obra que, mesmo em seus momentos mais fugazes, ressoa com a autenticidade da experiência humana.

“O Coração de Uma Mulher” é mais do que um simples relato de vida; é um testemunho poderoso da resiliência e da determinação feminina, uma ode à força que reside no âmago de cada mulher. Maya Angelou, com sua prosa magistral, convida-nos a mergulhar nas profundezas do ser feminino e a descobrir, através das palavras, a beleza e a complexidade de uma jornada compartilhada.

Uma obra que transcende as fronteiras do tempo e do espaço, tocando o cerne da experiência humana de forma poética e profunda. Maya Angelou prova ser uma voz marcante da atualidade, oferecendo-nos um vislumbre da alma feminina e convidando-nos a refletir sobre o que significa ser mulher em um mundo repleto de desafios e possibilidades.

Crítica – Código Preto é um thriller de espionagem elegante e afiado

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Com apenas 1h30 de duração, ‘Código Preto‘ prova que um filme de espionagem não precisa se estender por horas para deixar uma marca indelével no gênero. A narrativa é afiada, cada cena tem um propósito bem definido e o ritmo é meticulosamente calculado para manter a tensão constante, sem espaço para dispersão. O resultado é uma experiência intensa e imersiva, potencializada por um elenco estrelado e uma direção segura, que equilibra sofisticação e dinamismo com maestria.

Michael Fassbender entrega uma atuação precisa e contida, remetendo ao minimalismo calculado de seu personagem em The Killer, mas com camadas que revelam vulnerabilidade sob a fachada fria. Cate Blanchett, como sempre, domina a tela com sua presença magnética e um carisma avassalador, tornando cada aparição sua um deleite. O brilho do elenco, contudo, não se limita aos protagonistas. Regé-Jean Page, mais conhecido por seu trabalho em Bridgerton, demonstra sua versatilidade ao assumir um papel mais substancial no cinema, trazendo profundidade e intensidade a seu personagem. O restante do elenco também se destaca com atuações precisas e bem calibradas, enriquecendo a dinâmica do filme.

A cinematografia, assinada por um diretor de fotografia renomado, traduz com elegância o jogo de sombras e mistérios característico dos thrillers de espionagem. O uso de tons frios e enquadramentos milimetricamente planejados reforça a atmosfera tensa, enquanto a direção de arte contribui para um visual sofisticado e atemporal. Já o roteiro, longe de se perder em complexidades excessivas, aposta em um texto enxuto e afiado, onde cada diálogo é construído com precisão cirúrgica. Diferente de muitos thrillers modernos que investem em sequências de ação explosivas, ‘Código Preto’ se sustenta na tensão psicológica e nos embates verbais cortantes, onde cada palavra pode ser uma arma mortal.

O humor seco e estrategicamente dosado adiciona uma camada extra de charme à narrativa, tornando a experiência ainda mais envolvente. Os confrontos entre os personagens são verdadeiros duelos de inteligência, onde gestos e olhares dizem tanto quanto as palavras. Mesmo sem grandes perseguições ou sequências de luta coreografadas, o filme se sustenta com sua trama bem amarrada, performances brilhantes e uma atmosfera irresistivelmente elegante.

Ao final, ‘Código Preto’ deixa no espectador a sensação de que poderíamos passar horas assistindo a esses espiões tramando, manipulando e trocando farpas ao redor de uma mesa de jantar, sem jamais perder o interesse. E esse é um dos grandes triunfos da obra: transformar um thriller de espionagem em uma experiência envolvente e memorável sem depender dos clichês do gênero. Uma prova de que elegância, tensão e um elenco afiado são os ingredientes perfeitos para um suspense de alto nível.

Crítica – Mickey 17 é uma ficção científica visionária que une ação, suspense e crítica social

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Dirigido pelo premiado Bong Joon Ho, o cineasta sul-coreano que conquistou o Oscar com Parasita, Mickey 17 promete ser um dos grandes lançamentos da ficção científica em 2025. Adaptado do livro Mickey7, de Edward Ashton, o filme mergulha em um futuro distópico onde avanços tecnológicos e dilemas éticos se entrelaçam de maneira instigante.

A trama acompanha Mickey, interpretado por Robert Pattinson, um explorador espacial enviado em uma missão para colonizar um novo planeta. Ele se voluntaria para a função de “descartável”, um tripulante cujo corpo pode ser substituído indefinidamente sempre que morre. Sua consciência é transferida para um novo clone, permitindo que ele enfrente condições extremas e sirva como experimento para testar a viabilidade da colonização. No entanto, à medida que Mickey passa por múltiplas mortes e ressurreições, ele começa a questionar sua própria identidade, o propósito de sua existência e os limites da exploração humana.

Com um olhar afiado para questões sociais, Bong Joon Ho utiliza a ficção científica como pano de fundo para discutir desigualdade, exploração e o impacto da tecnologia na vida humana. A direção do cineasta equilibra ação, suspense e reflexões filosóficas, criando uma narrativa envolvente e cheia de tensão. A cinematografia, com um design futurista e uma estética fria e imponente, reforça a sensação de isolamento e vulnerabilidade enfrentada pelo protagonista.

Robert Pattinson entrega mais uma performance intensa, explorando as camadas psicológicas de Mickey com nuances que vão do cansaço existencial à rebeldia silenciosa. O elenco também conta com nomes de peso, incluindo Steven Yeun, Naomi Ackie, Toni Collette e Mark Ruffalo, cada um contribuindo para a atmosfera densa e intrigante do filme.

O roteiro mantém um ritmo ágil e dinâmico, evitando excessos e conduzindo o público por uma jornada repleta de reviravoltas. Embora algumas questões filosóficas pudessem ser exploradas com mais profundidade, a obra acerta ao equilibrar momentos de tensão com doses pontuais de humor, tornando a experiência acessível sem perder sua carga reflexiva.

Com uma temática provocativa e uma direção impecável, Mickey 17 se posiciona como um dos grandes títulos do gênero em 2025. Mais do que uma ficção científica eletrizante, o filme é um convite para refletir sobre os limites da tecnologia, a natureza da consciência e o preço da exploração desenfreada.

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